Indicações Geográficas (IG) no Espírito Santo: produtos que unem origem, qualidade e tradição

Beatriz de Assis Junqueira é Auditora Fiscal Federal Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), formada em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e possui mestrado em Economia Aplicada pela mesma instituição. Atua com Indicações Geográficas desde 2007, já exerceu o papel de Coordenadora Nacional de IG no Mapa, no período de 2011 a 2016, e atualmente está lotada na Superintendência Federal de Agricultura no Espírito Santo (SFA-ES/Mapa).

Entrevista:

  • Na prática, o que seria um produto com Indicação Geográfica?

São produtos ou serviços (também previstos na legislação) que possuem origem determinada, mas não apenas isso. Eles possuem qualidades vinculadas a sua origem, sejam elas advindas do saber-fazer, história, cultura ou fatores naturais. Para simplificar, ao longo dessa entrevista, falaremos somente em produtos, pois os serviços aplicam-se raramente no caso do setor agropecuário.

  • O que determina que um produto obtenha Indicação Geográfica (IG)?

O produto deve ter ligação intrínseca com o local onde é produzido, relacionando-se historicamente com as pessoas e o lugar. Esse relacionamento traduz-se no mercado pelo uso rotineiro e natural do nome geográfico associado à denominação do produto. Exemplos clássicos são: vinho do Porto (Portugal), queijo Canastra (Minas Gerais), carne de sol da região de Montanha (Espírito Santo) e muitos outros.

  • A Indicação Geográfica (IG) abrange duas espécies que são a Indicação de Procedência (IP) e a Denominação de Origem (DO). Qual a diferença entre as duas?

A Indicação de Procedência (IP) é a proteção do nome geográfico que se tornou conhecido pela produção ou extração de determinado produto, envolvendo elementos práticos de notoriedade do local, tais como fatores culturais, históricos e humanos.

Por sua vez, a Denominação de Origem (DO) é a proteção do nome geográfico que designe produto cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico. Nesse último caso, existe nexo causal entre o meio geográfico (solo, relevo, clima, fauna, flora, entre outros) e a qualidade ou características do produto. O meio geográfico influencia qualitativamente o produto e o diferencia de outros similares provenientes de regiões diferentes. 

A diferença entre ambas demonstra o quão relacionado ao território está o produto, mas é importante destacar que, quanto ao registro, o órgão oficial é o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial).

 

  • O Estado do Espírito Santo possui quantas regiões registradas como IG?

Atualmente o Estado possui oito Indicações Geográficas registradas, sendo Indicações de Procedência: as Panelas de Barro de Goiabeiras, o Mármore de Cachoeiro de Itapemirim, o Cacau em amêndoas de Linhares, o Inhame de São Bento de Urânia, o Socol de Venda Nova do Imigrante e o Café Conilon do Espírito Santo. Já as Denominações de Origem são para os Cafés Arábica das regiões das Montanhas do Espírito Santo e do Caparaó.

  • Hoje, quais produtos ou serviços do Brasil que possuem IG? Qual o principal?

Segundo os dados coletados na base do INPI, até junho de 2021 havia 84 indicações geográficas nacionais registradas, sendo 65 IPs e 17 DOs. Esses números são bem dinâmicos, pois novas IGs são concedidas a todo tempo e incluem produtos agropecuários, artesanatos, serviços etc. Além das IGs nacionais, também contamos com registros internacionais, que somam nove na espécie Denominação de Origem. São variados tipos de produtos agropecuários, sendo cafés, vinhos, frutas, cacau, cachaça, mel e queijos os mais frequentes nos registros. A lista completa e atualizada pode ser conferida no site do INPI ou do Mapa.

Segundo informações do Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café - CBP&D/Café, esse é o produto agrícola brasileiro com o maior número de registros de IG no INPI. Do total de 13 registros, oito são IPs e cinco DOs.  Os produtos agropecuários perfazem a maioria dos registros nacionais, num total de 55 entre os 82 existentes até o momento.

  • O registro da IG contribui para a agregação de valor a um produto ou serviço?

Pode contribuir, mas isso depende de outros fatores, até mais relevantes, que somados podem resultar em agregação de valor.

E o que a coletividade do território entende e espera como agregação de valor? É necessário definir para alcançar.

Caso seja a utilização comercial da IG, sua proteção, sistema de garantias e promoção, dependerá da ação coletiva dos produtores, do protagonismo deles desde o início do processo de reconhecimento, da comunicação do valor ao mercado, entre tantas outras frentes. Costumamos dizer que as ações são ampliadas e ainda mais desafiadoras a partir do registro. Percebemos que há casos de sucesso, segundo as palavras dos próprios produtores de muitas regiões no pós-registro. Entretanto, outras declaram não ter havido mudanças significativas, o que demonstra que simplesmente registrar não necessariamente promove progressos.

  • Quem pode registrar a IG?

O registro é concedido ao substituto processual que, de forma legítima, represente a coletividade de produtores da região potencial, conforme previsto na Lei 9279/1996 e na Instrução Normativa INPI 95/2018. Ou seja, um agrupamento organizado em associação, sindicato ou outra forma jurídica.

A entidade representativa deve estar estabelecida dentro da área delimitada e seu quadro social ser composto, total ou predominantemente, por participantes da cadeia produtiva do respectivo produto ou serviço.

  • Qual o passo a passo para os interessados em requerer IG para seus produtos?

Os documentos para o requerimento estão previstos na Instrução Normativa INPI 95/2018 e diferem entre o pedido de IP e DO. Segundo o Guia das Indicações Geográficas – Registro e Alterações, publicado pelo Governo Federal em 2019, o passo a passo pode ser resumido da seguinte forma:

  • Mobilizar os produtores ou prestadores de serviço para uma maior participação.
  • Identificar ou criar uma entidade representativa dos produtores ou prestadores de serviço na região ou localidade e adequar ou elaborar o seu Estatuto Social.
  • Descrever o produto ou serviço da Indicação Geográfica.
  • Elaborar o Caderno de Especificações Técnicas.
  • Descrever mecanismos de controle sobre os produtores ou prestadores de serviço, bem como sobre o produto ou serviço.
  • Aprovar em Assembleia Geral o Estatuto Social e o Caderno de Especificações Técnicas.
  • Solicitar o Instrumento Oficial que delimita a área geográfica.
  • Reunir toda a documentação necessária para o pedido de registro de Indicação Geográfica.

A solicitação é feita por meio eletrônico, disponível no portal do INPI.

  • Quanto se gasta para obter Indicação Geográfica para um produto?

O INPI possui uma tabela de retribuições. Atualmente protocolos de IP equivalem a R$590,00 e de DO, R$2135,00. Taxas adicionais podem ocorrer nos casos de cumprimento de exigências, pedidos de alteração etc. Todavia, as atividades que envolvem a elaboração dos documentos requeridos para o registro possuem despesas muito variáveis de região para região. Depende do contexto local, da existência de: apoios técnicos institucionais, aporte financeiro de entidades de fomento, de estudos, mapeamentos, diagnósticos, ações de branding pré-existentes etc.

  • Qual é a participação do Ministério da Agricultura (Mapa) no processo?

O Mapa é uma das instâncias de fomento das atividades voltadas às IGs de produtos agropecuários. Conta com orçamento próprio para essa atividade e oferta cursos; organiza seminários, reuniões e workshops; distribui materiais de divulgação; mapeia os produtos e regiões com potencial; delimita áreas geográficas para fins de registro; apoia tecnicamente os processos de registro e também as discussões e acordos internacionais que envolvem as IGs.

  • Que mensagem você gostaria de deixar para produtores de uma região de Indicação Geográfica?

Inicialmente parabenizo os atores locais pelo patrimônio imaterial, pela adaptação de técnicas e por todo o conhecimento produzido por gerações. Isso permite que nós consumidores tenhamos uma experiência de consumo rica de atributos sensoriais e tradição. E brinda o país com diversidade e história.

Destaco também que dada a experiência que temos reunido na atuação do Ministério em diferentes estados e produtos de IG, a estratégia de valorização do território deve reunir outras ações que não somente o registro de Indicação Geográfica. Estampar uma representação gráfica ou um selo na embalagem do produto não garante mais sucesso econômico nem melhoria de qualidade ou sequer evita fraude.

Expectativas dessa natureza têm gerado frustração em inúmeros produtores no pós-registro da IG. A coletividade deve conduzir um projeto estratégico mais amplo que explore o conceito da origem para além do uso do selo. Vale destacar que a sensibilização dos produtores e sua união em torno de um objetivo comum, que é o de promover a IG, aumentam as chances de que esse instrumento tenha sucesso, contribuindo para o desenvolvimento da região.



Fim.

 

 

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