Indicação Geográfica (IG) para a pimenta-do-reino no Espírito Santo e no Brasil.

Erasmo Carlos Negris é empresário, contador e produtor rural de café conilon e pimenta-do-reino. Atualmente ocupa o cargo de diretor administrativo da Cooperativa dos Produtores Agropecuários da Bacia do Cricaré (Coopbag). Na mesma cooperativa, também já foi conselheiro vogal de 2005 a 2010 e presidente de 2011 a 2020.

Ele iniciou o projeto de exportação de pimenta-do-reino em 2015, que resultou no primeiro embarque do produto em 2016. Também atuou em conjunto com diversas entidades e instituições na estruturação e pedido de reconhecimento das Indicações Geográficas (IGs) para a pimenta-do-reino,  o café Conilon e a pimenta-rosa.

Entrevista:

1) Em dezembro de 2019, a produção de pimenta-do-reino do Espírito Santo teve o pedido de reconhecimento da Indicação de Procedência “Norte do Espírito Santo” aprovado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Essa é a primeira Indicação Geográfica da pimenta-do-reino no Brasil?

A estruturação do projeto para depositar o pedido da IG da pimenta-do-reino começou em 2016. Inicialmente os trabalhos se concentraram na juntada de documentos e fatos históricos que pudessem referendar a notoriedade dessa atividade agrícola na região. Foi um trabalho feito a várias mãos e com grande empenho das equipes, pois as exigências do INPI eram muitas.

Dessa forma, o primeiro depósito para análise do INPI foi em dezembro de 2019, e ficamos ansiosos aguardando o resultado. Esse primeiro protocolo foi encerrado em março de 2021 em virtude de alinhamentos a serem estruturados não obtendo ainda o reconhecimento definitivo, por exemplo: o pedido inicial denominava "Norte do Espírito Santo" para a IG da pimenta-do-reino. O INPI identificou que a atividade agrícola extrapolava essa dimensão, sendo orientado então a suprimir a expressão "Norte" e figurar então "Espírito Santo", uma vez que a atividade agrícola da pipericultura já está presente em vários municípios deste Estado. Em julho de 2021, o pedido foi novamente protocolado com as alterações pertinentes e estamos ansiosos pelo êxito de seu reconhecimento ainda em 2021, na modalidade de Indicação de Procedência Espírito Santo (IP). 


2) A Indicação Geográfica (IG) consiste na informação acerca da procedência do produto. A área geográfica delimitada para a produção da Indicação de Procedência Espírito Santo compreende quais municípios?

Os municípios são: Água Doce do Norte, Mantenópolis, Barra de São Francisco, Ecoporanga, Águia Branca, São Gabriel da Palha, Boa Esperança, Vila Pavão, Nova Venécia, Vila Valério, Alto Rio Novo, Governador Lindenberg, São Domingos do Norte, Baixo Guandu, Marilândia, Colatina, Pancas, Aracruz, Linhares, Ponto Belo, Mucurici, Montanha, Pinheiros, Conceição da Barra, Jaguaré, São Mateus, Sooretama, Rio Bananal e Pedro Canário.

3) Quais são os elementos fundamentais para que a pimenta-do-reino no Brasil alcance a Indicação Geográfica (IG)?

A atividade da pipericultura é hoje uma atividade que está presente em vários estados da federação, possui em seu cerne a base da agricultura familiar, que ocupa uma mão de obra composta de jovens e principalmente de mulheres em decorrência de sua peculiaridade. A colheita ainda é manual, não há maquinário ou equipamento desenvolvido para esse fim e, nesse contexto, o número de mulheres envolvidas é enorme, pois com a delicadeza feminina e a oportunidade de os filhos dos agricultores participarem do processo de colheita, a pipericultura apresenta seu potencial de importância inclusiva, fazendo com que esse trabalhador melhore sua renda e, por conseguinte, aumente a sua dignidade. Para atender aos requisitos do padrão de uma IG, o agricultor deverá produzir a pimenta-do-reino dentro da área delimitada e observar o ordenamento estabelecido no Caderno de Especificações Técnicas que foi desenvolvido pelo Comitê Gestor que estruturou o projeto da IG. Um sentimento é certo: nós produzimos a melhor pimenta-do-reino do mundo e temos que buscar esse conceito e valorização em nível mundial, e a IG será um dos fatores desse reconhecimento.

4) É difícil manter um padrão de qualidade e segurança de alimentos das especiarias? Quais são os desafios para esse cenário?

Em virtude do aumento na produção tanto no Espírito Santo quanto no Brasil como um todo, surgem algumas demandas e desafios. O conceito de segurança alimentar está a cada dia mais presente nos nossos negócios, e mudar uma cultura no âmbito da propriedade rural não é uma tarefa fácil. A atividade da pipericultura deve ser entendida pelos produtores como uma atividade destinada quase que em sua totalidade ao mercado externo. Quando olhamos para o mercado interno que absorve cerca de 5% a 10% da produção nacional, talvez não percebamos que em torno de 90% a 95% da pimenta-do-reino produzida são destinados ao mercado externo, ou seja, somos extremamente dependentes das exportações nessa atividade. Isso requer uma atenção ao ordenamento sanitário e de segurança do alimento de cada país importador, que está preocupado com a sua população e a qualidade dos alimentos de seu povo. Para nós, não basta produzirmos, temos que criar o conceito de que estamos produzindo alimento e que esse alimento vai ser utilizado diretamente no prato do consumidor. Daí nossa responsabilidade em melhorar nosso padrão de qualidade. Penso que a pipericultura, por estar hoje presente em vários estados brasileiros, deverá ter uma política nacional de governo focada nos quesitos de qualidade para podermos ganhar mercado e expandir nossa produção.

5) A pimenta-do-reino é uma das especiarias mais antigas que se tem conhecimento no Espírito Santo. Quais os diferenciais que trazem credibilidade e confiança para que esse produto tenha a IG?

Desde minha infância, estou envolvido na produção de pimenta-do-reino, e nossa família já cultivava essa especiaria desde meados do século XX. A pimenta-do-reino ganhou popularidade, principalmente na Região Norte do Espírito Santo, por ser especial, gerar emprego e trazer renda. A região é propícia ao cultivo, temos oferta de madeira oriunda de reflorestamento para fixação das plantas, o que atribui um viés preservacionista à atividade, contribuindo para a preservação das florestas remanescentes da Mata Atlântica. A pipericultura também é inclusiva, pois envolve muitas mulheres e jovens no seu cultivo, possui fomento das instituições financeiras para a sua implantação e possui vários projetos de pesquisas, principalmente do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), que visam a sustentabilidade dessa cadeia produtiva.

6) É difícil manter um padrão de qualidade e segurança de alimentos das especiarias? Quais são os desafios para esse cenário?

A questão cultural é o maior desafio. Esse fator pode levar diretamente ao sucesso ou ao insucesso de uma atividade. Cabe aos atores dessa cadeia produtiva manter as ações de orientação, capacitação e, se assim precisar, até de fiscalização orientativa para mitigação dos gargalos no processo de produção. Uma modernização tanto no campo quanto nas indústrias se faz necessária para a garantia e estruturação de um padrão de boa qualidade, visando os requisitos estabelecidos para a segurança alimentar, que a cada dia se faz mais evidente e mais exigida pelos consumidores. Os movimentos que buscam promover ações e são apresentadas à cadeia produtiva, entre elas: a Indicação Geográfica (IG), o Programa de Produção Integrada (PI), o Programa de Boas Práticas Agrícolas (BPA) no âmbito das propriedades rurais e as Boas Práticas de Fabricação (BPF) no âmbito das empresas comerciais e exportadoras, tendem a convergir beneficamente para um cenário de melhor qualidade de nossos produtos, garantindo assim o fornecimento dessa especiaria de melhor qualidade aos compradores nos mercados interno e externo. 

7) O que esse reconhecimento da IG representa para o senhor, levando em consideração a inclusão de produtores e produtoras rurais que se dedicam à essa cultura?

O reconhecimento pelo INPI dessa IG irá referendar uma atividade que é extremamente importante para nós agricultores, pois o cultivo da pimenta-do-reino é muito prazeroso e consegue complementar nossa renda. Com a oportunidade de atender aos requisitos do padrão IG, o agricultor ofertará um produto de excelente qualidade, o que poderá culminar numa maior rentabilidade ao se buscar nichos de mercado que se interessem por esse produto diferenciado. Hoje, por meio da cooperativa da qual participo, já foi um grande avanço, pois sei que a minha produção é exportada diretamente por ela. O meu sentimento é de que eu sou um exportador, e produzir uma pimenta-do-reino que se enquadre no padrão da Indicação de Procedência Espírito Santo será algo impagável, será uma sensação de conquista por parte de nossa família, algo que ninguém irá nos tirar.

Fim.

 

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